Em artigo escrito por Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, em 07/10/2023 (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2023/10/aborto-maconha-privatizacao-impostos-e-o-conflito-social-destes-dias.shtml), destaco o seguinte:
O modo pelo qual se desenrolam tais conflitos indica que a civilização do país é um ponto no futuro do pretérito.
Mais direitos de aborto ou de usar drogas são por ora posições minoritárias no eleitorado. Mas os partidos do agro, da bala, dos evangélicos políticos e associados querem mesmo é implementar um amplo programa fundamentalista (avesso, pois, à discussão). Querem mais do que legitimar e reforçar um esquema repressivo de consequências sociais terríveis e contraproducente. Isto é, mais mulheres mortas ou mutiladas; mais jovens presos, em especial pretos e pobres, mortos ou alistados no exército de reserva de tráfico e milícia. Nas décadas em que mais se colocou gente na cadeia, o crime organizado se nacionalizou, se institucionalizou, enriqueceu e entrou na política.
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A questão do aborto está na pauta das discussões tanto no Congresso Nacional quanto no STF.
Muito além das platitudes ditas no Congresso por alguns políticos
que se dizem “conservadores”, há uma urgente necessidade de debate sobre a
questão dentro das casas espíritas onde sempre pairou o tabu sobre o assunto.
A meu ver, baseando-me em suas falas, esses “conservadores” nunca
leram sequer as orelhas de livros que tratam das ideias de Edmund Burke,
Michael Oakeshott, Russel Kirk, Roger Scruton e Theodore Dalrymple. A priori,
chamo esses congressistas de reacionários e não conservadores.
(Saliente-se que podemos encontrar reacionários tanto no espectro da Direita quanto da esquerda).
Para os espíritas, principalmente seguidores do grande médium Francisco Candido Xavier, grupo a que chamo de neomoralista cristão, a questão está fechada: não há a menor possibilidade de contemporização sobre o tema – é proibido abortar e ponto.
Alguém indagará: há brechas para discussão dentro do que o Livro dos Espíritos oferece?
Creio que há. Sempre haverá quando se trata de doutrina. Doutrinas
são pontos fixos na dinâmica da vida. O próprio Kardec discorre sobre isso.
Há poucos espíritas que conseguem entender essa dinâmica.
Entendo perfeitamente que esses muitos prendem-se à doutrina,
porque estão em busca de segurança num mundo pouco seguro.
Não faço crítica gratuita; vez ou outra me pego inseguro, também.
Todos estamos inseguros. Minha intenção é debater para abrir caminhos dentro do
cipoal de conceitos e preconceitos que se constroem por conta daquela
insegurança. Portanto, é preciso discutir para superar essa perplexidade que
nos atravessa.
O debate serve como uma lufada de ar fresco na aridez mental desses legalistas[1].
O fato é que, os debates propostos no Congresso – se é que se pode chamar de debate; mais se parecem com um interrogatório dentro de uma peça de teatro do absurdo[2], onde parlamentares instam o convidado e/ou convocado a dar explicações científicas às perguntas mais esdrúxulas possíveis, seja no campo da economia, da educação, da saúde, dos direitos humanos e da própria política.
Ler, ver ou ouvir essas sessões é um exercício de autotortura. Dá náuseas. Uma peça bufa de mau gosto misturada à tristeza de ver o quanto o Brasil tem, ainda, de melhorar a qualidade de boa parte dos que nos representam e, consequentemente, melhorar a qualidade de nosso voto.
É difícil ter um naco de otimismo no horizonte. Estamos - e esse é um termo mais que adequado - enredados nessa teia político-fundamentalista da qual poucas chances há de mudanças efetivas e estruturais. É um salve-se quem puder.
Neste cenário irritantemente concreto, destaca-se o centro espírita, com o seu ar de instituição intocável, com líderes preocupados com a transição planetária, com as ditas colônias espirituais, com a batalha do bem contra o mal – maniqueísmo[3] ultrapassado, alienante que dá muito sono.
E la nave va.[4]
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Legalismo é a expressão de pessoas que
acreditam que cumprindo regras terão a salvação garantida. Essas pessoas põem
as regras acima das necessidades humanas. Jesus fez críticas enérgicas àqueles
que assim se comportavam.
[2] Teatro do Absurdo: expressão teatral que
surgiu depois da segunda grande guerra que traduz a desolação, a solidão e a
incomunicabilidade do homem moderno. Esperando Godot é um ícone desse
estilo de teatro. Peça de autoria de Samuel Becket (1949) um dos grandes nomes
desse movimento.
Para saber mais clique
no link abaixo:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo13538/teatro-do-absurdo
[3] Maniqueísmo:
filosofia religiosa que divide o mundo entre bem e mal. Por extensão, é aquilo
que divide o mundo entre poderes opostos e incompatíveis.
[4] E la nave va: título de um filme
italiano de 1983 dirigido por Federico Fellini. E o navio vai seria a
tradução literal do título para o português.
Complexo tema, vai muito além do ser contra ou a favor.
ResponderExcluirTrata-se de uma realidade, de saúde pública, que acontece, comumente, dos rincões aos casarões. Infelizmente, aos milhares.
Nota-se um conservadorismo no MEB (Movimento Espírita Brasileiro). São raras as instituições espíritas que acolhem as mães oferecendo-lhes acolhimento psicológico, médico e material. E, em grande maioria, estão desacompanhadas... sem o parceiro.
Se os homens parissem seria outra a realidade?