
O experimento de Pavlov[1]
Resumidamente, o
experimento consistiu em tocar uma sineta e em seguida alimentar os cães.
Depois de repetir essa
conduta, quando a sineta tocava, os cães salivavam e produziam suco gástrico antes mesmo de visualizarem
a comida.
Esse processo recebeu o
nome de Condicionamento Clássico.
++++++++++++++++++++
A ânsia por fazer caridade em grupos religiosos – e aqui destaco o grupo dos espíritas – tem a ver com a experiência pavloviana.
É claro que não há equivalência com a abordagem que Pavlov utilizava com os cães em suas experiências (hoje, inadmissíveis pelo nível de crueldade com que aqueles animais eram tratados).
No caso da busca por salvação, a gratificação pela ação caridosa
funciona como um condicionamento clássico, porém não com recompensa fisiológica,
mas de caráter metafísico e psicológico.
Explico o meu ponto de vista:
Alguém com um capital simbólico reconhecido – um líder espiritual qualquer - faz a seguinte observação: “façam caridade, porque é através dela que vocês ganharão a salvação”.
Para certo tipo humano que cultiva valores espirituais muito fortes isto soa como um prêmio mais elevado do que um prato de comida. Até porque, a maioria dos que acreditam nessa palavra de ordem e a põe em prática não passa fome e tem um certo status social para garantir a não falta do que comer, vestir, morar etc.
Mas isso não impede dessa gente sofrer a falta de outras tantas coisas intangíveis. Exemplo: atenção, carinho, compreensão, segurança etc.?
Sem dúvida, mesmo assim, grande parte dela encontra na ação caridosa uma maneira de compensar suas dificuldades existenciais observando, como num exercício macabro – muitas vezes inconsciente, aqueles que sofrem mais do que ela. E se sentem agradecidos a Deus (?!) por possuírem bens que outros não possuem. Entendeu a mecânica por trás disso?
Mas, espera um pouco, todos agem assim?
Claro que não. Mas são raros aqueles que não negociam, de forma inconsciente, essa possibilidade de salvação trocando bens materiais (passageiros) com um bem espiritual permanente – a tal salvação.
Note que a frase posta por aquele líder espiritual não é uma possibilidade, mas uma certeza: aquele que praticar caridade estará salvo.
Você não considera válida essa ação caridosa, mesmo no caso de se buscar uma troca?
É claro que o exercício caridoso eleva o padrão de qualquer um, mesmo funcionando com um estímulo pavloviano.
E onde você quer chegar com essa problematização?
Quero chegar no ponto em que façamos, todos nós, uma autoanálise
de nossas ações caridosas e comportamentos “bondosos” diante daqueles que estão
em situação de vulnerabilidade – não só de alimento, mas de todas as
vulnerabilidades.
Essa autoanálise comportamental fará com que a distância entre o agente da caridade e o paciente dela diminua grandemente e, com isso, eleve a consciência política de ambos.
Dessa maneira, os agentes da caridade deixam de salivar como os cães de Pavlov em busca de seu “alimento” – a salvação, e os pacientes da caridade deixem de ser instrumentos da salvação daqueles bonzinhos e se tornem cada vez mais proativos na solução das desigualdades que não cabem mais num mundo dito civilizado.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1] Ivan Petrovich Pavlov foi um fisiólogo russo que fez
importantes descobertas no campo da fisiologia. Suas pesquisas resultaram no
prêmio Nobel de Medicina em 1904.
Caso queira saber um
pouco mais, segue link:
https://www.larpsi.com.br/media/mconnect_uploadfiles/c/a/cap_01_53_.pdf
"A ânsia por fazer caridade (...) tem a ver" com a natureza do próprio ser, de 'viver o bem', muito mais do que 'viver bem'.
ResponderExcluirReceber a gratificação é consequência natural da lei de causa e efeito, em si; seja metafísica ou psicológica.
Variam os graus de servir ou de manifestar a própria essência: vão desde o interesse individualista ('mordomo infiel') ao altruísmo universal ('bom samaritano').
Nos primórdios o ser está fechado em si como uma espécie de 'casulo consciencial'; age de maneira heterônoma. Conforme vai despertando começa a 'escolher' resultados compensadores. Até que, inevitavelmente, alcançará o estágio da autonomia, da dedicação desinteressada a quem quer que seja.
Um processo vagaroso: sair de uma esfera hermética para uma cosmovisão aberta, sendo um ser que se (im)porta na cidadania e na política.
Vamos que vamos!!