
Não me sinto confortável em dizer tudo o que
direi aqui, mas sinto-me obrigado a dizê-lo, sobretudo aos valorosos
companheiros de caminho e que tanta confiança e amizade a mim dedicaram.
Minha intenção é abrir um debate sobre
práticas e crenças desenvolvidas dentro desse movimento que prezo muito. Afinal
de contas, um bom debate pressupõe opiniões antagônicas juntamente com a aposta na
suspeita de que nem sempre se tem razão.
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Dentro
do movimento espírita, alguns espíritas – de número não desprezível, que podem
ser chamados “seareiros da última hora”, acreditam que sua missão é a de
trabalhar para a mudança do mundo.[1]
À
primeira vista, a ideia é boa: reformas são necessárias, algumas até urgentes
como o tratamento dado ao meio ambiente que, pelo andar da carruagem, pode
provocar a extinção de enorme número de espécies – vale salientar, a humana,
inclusive.[2]
As
democracias – formas de governança mais avançadas que a humanidade conseguiu
chegar para gerir as diferentes demandas das sociedades e os diferentes graus
de interesses de seus sócios – têm sido ameaçadas.
A
ideia surgiu já na obra de Allan Kardec, mais precisamente em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, capítulo 20, subtítulo Missão dos Espíritas.
No Brasil, essa crença se fortaleceu e se ampliou com a publicação, com o selo da Federação Espírita Brasileira, de uma obra psicografada pelo médium Chico Xavier de autoria do espírito Humberto de Campos.[1]
[1]
Refiro-me ao
livro “Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” que, além de estimular esse
delírio reformador mundial por parte dos espíritas, enfatiza a condição
especial dos brasileiros nessa jornada heroica ufanista e de espírito
totalitário.
Ao
longo do tempo fui desenvolvendo uma certa ojeriza pela palavra “seareiro”;
além de brega é um termo que carrega o status de lavrador que trabalha a terra
com um fim metafísico incerto – como o são aqueles trabalhadores rurais do
mundo objetivo que, em sua maioria, lutam pela subsistência.
Sem
dizer da linguagem utilizada pelo espírito em O Evangelho Segundo o Espiritismo
(acima citado) e a pieguice estampada nas páginas do livro da dobradinha Chico
Xavier/Humberto de Campos, a ojeriza aumenta mais, quanto mais aguda fica a
visão dessa expressão “seareiro da última hora.”
As
pessoas que assim pensam, acreditam que têm sob sua responsabilidade a mudança
do mundo. Isso não é pouca coisa! Creio eu, que não é exagero pensar que aqueles que assim pensam estão muito mais próximos do Fascismo do que da Democracia. Vale ressalvar que muitos deles nem sabem dessa aproximação com os ideais fascistas. Esse assunto dá uma tese de mestrado ou doutorado.
O otimismo dessa gente em fazer um mundo melhor a faz acreditar que essa revolução, do ponto de vista operacional, seja fácil – e exequível - neste nosso mundo tão diverso,
conflituoso e de mudanças cada vez mais rápidas, exigindo de nós todos uma
postura extremamente flexível – coisa difícil de engolir, por conta de nossa
insegurança e prepotência avessas às mudanças.
Acho
que deixo claro que minha crítica não é, de forma alguma, negativa à
necessidade de reformas. A crítica situa-se no cuidado que se deve ter em
considerar-se pertencente a um grupo de heróis que promoverão as mudanças
necessárias – tanto objetivas quanto comportamentais.
Quando
a vaidade está em alta – como no caso desse grupo específico de “missionários”
– a autocrítica desaparece. Estimados pelos elogios feitos, reciprocamente,
entre os membros do grupo, as fantasias se agigantam e sua visão do mundo real
torna-se bastante prejudicada; até ridícula.
Onde
entra a vaidade? – pergunta alguém.
Não
seria mais produtivo pensar em micro mudanças? – respondo eu.
O
problema é que a vaidade é insidiosa. Para esse pecado capital não vale colocar
um tijolinho na construção. Ela exige a construção de pirâmides maiores que
aquelas do vale de Gizé.[3]
As
pequenas mudanças, corriqueiras, evitam a megalomania dos que fazem marketing
pessoal falando aos quatro cantos em “um mundo melhor”. As pequenas ações
implicam modéstia e discrição; não quer chamar a atenção. Essa prática é um
punhal fincado na vaidade desses “missionários”.
A
leitura crítica dos textos acima indicados evidenciam um amplo sentimento
vaidoso: esse grupo de “seareiros” acredita firmemente que é a cereja do bolo e
com os seus argumentos nada modestos e, pior, metafísicos, farão mudanças
estruturais na Terra, nesse sanatório geral em que a humanidade transformou o
planeta.
Não
custa lembrar o Eclesiastes[4]:
Palavras do
pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém.
Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.
Eclesiastes 1:1,2
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[1]
[2] Nunca é demais lembrar que o ser humano não faz fotossíntese. Se você quiser, faça a experiência: plante os pés de um ser humano em um vaso e não lhe dê alimento regando-o com bastante água. Depois de algum tempo você verá que ele vai esverdeando, não por conta da presença de clorofila – responsável pela fotossíntese, mas por conta da decomposição acelerada dos intestinos. A cor é produto do metabolismo das hemoglobinas pelas bactérias do intestino.
Portanto, o ser humano é dependente de energia de outros seres vivos para sobreviver. Uma vez afetada a cadeia de transferência de energia vital somada à contaminação de elementos inorgânicos indispensáveis à vida, esse ser dependente se extinguirá.[3]
[4]
Caro Humberto, concordo com você sobre a vaidade presente em pessoas que acreditam ser salvadores do mundo, porque dão continuidade à missão de Jesus. Vivemos uma crise moral e ética aparentemente, para mim ao menos, sem precedentes. Se a caixa de Pandora já foi aberta em tempos remotos ela reservou a intensidade de tudo o que foi libertado para os nossos dias. Não é compreensível que haja no meio espírita, como em outros espaços de religião, pessoas que não se libertam (porque não querem ou porque não podem) da ideia de incumbência de uma missão e de que ela ainda lhe concede um status? Essa ideia, portanto, não se fundamenta nos seus próprios valores, mesmo que dissociado das urgências maiores e coletivas do mundo globalizado?
ResponderExcluirPrezada Mônica, obrigado pela sua visita e comentários. Como você bem sabe somos seres contraditórios. Há um descompasso entre o que falamos, o que fazemos e o que pensamos. Essa contradição, como proponho no texto, tem muito a ver com uma inconformação - quase sempre inconsciente - de nossa pequenez que, a maioria de nós, compensa com doses elevadas de vaidade e pela busca de importância e notoriedade. A palavra "vaidade" remete à ideia de vazio e essa luta para preencher esse vazio que move muitas de nossas ações no mundo. Abraço com gratidão.
ExcluirCentenas de religiões no planeta, menos de 10% de espíritas, aumento de jovens ateus, e tem quem se empavona do crachá que porta. É mole!?!
ResponderExcluir"Somos todos iguais braços dados ou não. (...) Quem sabe faz a hora, não espera acontecer." - Geraldo Vandré