
Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando um tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for, eu sou tostão
Fazer um gol nessa partida não é fácil, meu irmão
Meio de Campo, Gilberto Gil (com Dominguinhos)[1]
Diferentemente do que diz Gil, a doutrina espírita considera a
perfeição pela ótica transcendental.
Será que temos de negar que a Natureza – seja ela física ou
espiritual – como algo criado por Deus e, portanto, perfeita em essência?
Quando Jesus diz que não veio destruir a Lei, mas cumpri-la,
pergunto: se ele quisesse “destruí-la”, conseguiria?
Se quisesse, seria uma alucinação, porque nem Deus conseguiria modificar a Lei que fez, exceto se inventasse outro Universo com outras regras.
Humberto, você está indo longe demais, não acha?
Pode ser, mas veja bem, se considerarmos Deus como ser absolutamente
perfeito (desculpe a redundância[2]);
e se foi Deus quem criou as leis que regem tudo o que existe, sendo Deus perfeito, consequentemente suas leis terão de ser perfeitas.
Cometo um exagero, talvez uma heresia para alguns, mas dentro desse raciocínio digo que nem Deus poderá mudar as leis por Ele criadas. Ficou claro?
Vamos, agora, imergir, mergulhar na questão da perfeição. Claro que
se trata de uma divagação, assim como Deus, em tese, é absoluto, não podemos
perder de vista que nossa ignorância é próxima de absoluta
diante da imensidão do que existe e que nos encara diariamente.
Com a tese sobre o tema que afirma categoricamente que a perfeição
espiritual é isso e aquilo, os espíritas engatam uma quinta marcha e chegam às
fronteiras do mágico porque se baseiam em valores humanos finitos, modificáveis
para falar daquilo que está no infinito.
Comparo essas afirmações sobre “perfeição espiritual” equivalentes a alguém falar sobre a estrutura interna de um buraco negro como se lá tivesse ido e constatado o que vira de corpo presente (em forma de espaguete, é claro[3]).
Posta essa premissa, quero falar sobre minha impressão sobre a perfeição espiritual:
Imagine dois baldes contendo água pura.
Imagine que há um conta-gotas sobre cada um desses baldes onde caem
gotas de azul de metileno[4].
Porém, cada um desses baldes se movimentam deixando algumas gotas caírem fora.
Cada balde representa um indivíduo.
Nessa imagem que faço, as gotas de azul de metileno caem independentemente
da “vontade de cada balde”. Elas caem sem parar – é o processo no qual todos estão
imersos. A vida flui mesmo que não queiramos. Não depende de nossa
vontadezinha.
Essas movimentações do balde correm por nossa conta supondo que
tenhamos “livre-arbítrio”.
Com o passar do tempo, e tendo movimentações diferentes, os dois baldes não receberão a mesma quantidade de azul de metileno; logo, a água dentro dos dois baldes terão uma
diferença na tonalidade de sua cor: um com um azul mais intenso, enquanto o outro
nem tanto.
Já dá para intuir que essa “tonalidade” da cor de cada balde
representa a singularidade de cada indivíduo.
Avancemos: imagine agora que passados milhões de anos, mesmo com
as movimentações dos baldes, eles atinjam o estado que em química chama de
saturação, ou seja, mesmo que ambos continuem recebendo azul de metileno, eles
terão a mesmíssima cor, porque estão saturados.
Essa condição de uma cor azul absoluta seria a chamada perfeição.
Agora vem a encrenca: os dois são tão parecidos que se confundem.
Não há mais aquilo que chamamos Eu. Esse eu se dissolveu na igualdade de cores da
água contida em cada balde. Não há mais diferenças.
De onde tirei essa ideia? Botem reparo nessa passagem de João:
Para
que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles
sejam um em nós. João 17:21
O que Jesus diz, na imagem que faço aqui, equivale ao seguinte: para
que todos sejam tão azuis, como tu, ó Pai, o és azul em mim, e eu em ti; que
também eles sejam azuis como nós.
No fim (se é que existe fim) tornamo-nos uma substância só, como
pensava Espinosa[5].
Por enquanto, basta ser um bom goleiro no ambiente em que estamos
enfiados; recebendo gotas de sabedoria sem muita firula[6]
e sem vaidades tolas.
Difícil? Quem disse que seria fácil?
[2] Considerando que a palavra “perfeito” é a união do prefixo per (todo, completo, inteiro) + feito (acabado, finalizado) então, o que é perfeito terá de ser, necessariamente, absoluto, não?.
[3] A
espaguetização é um fenômeno que ocorre quando uma estrela aproxima-se muito de
um buraco negro. O corpo se estica como um espaguete devido a força
gravitacional do buraco negro.
[4]
Azul de metileno: composto sólido de cor verde escuro com aplicações na
biologia, medicina, química, farmacologia que, em contato com água produz uma
solução azul.
[5] Para
o filósofo Baruch Espinosa substância é causa de si mesma; ser
completo; existe por si mesmo etc.
[6] Firula:
expressão informal que significa rebuscamento da fala para enunciar algo
simples; circunlóquio, rodeio.
Tanto a expressão de João mencionada acima quanto outra de Jesus - "Eu e o Pai somos um" - precisam ser entendidas no sentido filosófico.
ResponderExcluirNão se perde a individualidade na perfectibilidade, ao contrário do que prega o panteísmo. Não somos partes que retornamos ao Todo. Somos consciências únicas conectadas na Unidade.
Em "A gênese", de Allan Kardec, se lê que o brasão do Universo consiste na divisa da Unidade-Variedade.
Identificar-se com a Fonte não nos torna iguais à ela; significa conhece-la em espírito e verdade.
A Causa não está separada da natureza, é imanente. Logo, a criação herda a marca dessa Fonte. Não confundir com o panteísmo. Somos individualidades conscientes.
O Absoluto conhece o relativo, o oposto não é possível. Sem condições do limitado falar do Ilimitado.
Nós estamos no devir, ao contrário da Causa que é Ato Puro.
Atingiremos a Perfectibilidade, e certamente há variados graus de aperfeiçoamento. Tem-se a eternidade para tal.