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PLANETA DE PROVAS E EXPIAÇÕES

Arte: Tiago Spina

“A paz é o intervalo entre uma guerra e outra em que os generais escrevem suas memórias”

A frase remete à ideia de que, aqui na Terra, a coisa é "sinistra" como diriam os manos da periferia.

Falar que estamos aqui, porque a Terra é de Provas e Expiações, transfere, subliminarmente, para a pobre Gaia de Lovelock[1], a responsabilidade de o mundo ser como é e nós - os seus habitantes - somos vítimas dessa condição. A ideia de “transição planetária” é gestada nessa lógica: o planeta passa, obrigatoriamente, por uma mudança (de costumes) e os que não se adaptarem a essa transformação serão expurgados. A meu ver, lógica simplista e redutora de nossa responsabilidade.

Fico irritado com essa perspectiva e, por isso mesmo, costumo inverter o sentido da frase dizendo: o mundo é de provas e expiações, porque estamos aqui.[2] É preciso coragem para assumir, em grande medida, a responsabilidade pelo caos generalizado em que vivemos e sem solução no horizonte.

Pela perspectiva moral, a Terra é um lugar hostil. Acontece que a Natureza é amoral[3].

Os grilos (consumidor primário) não têm paz com a presença dos sapos; os sapos não têm paz por causa das cobras; as cobras, por sua vez, não se sentem confortáveis com a presença das águias; e estas não têm sossego com os corvos; e todos esses bichos não tem sossego com a presença humana.

O ser humano subverte essa lógica, porque muito além da luta por consumo de biomassa e fluxo de energia na cadeia alimentar[4], ele não tem paz por conta do próprio homem[5]. Sua agressividade não se traduz apenas por sobrevivência: disputa por território, por comida, por machos e fêmeas; mas por acumulação e poder.

Não existe, aqui na Terra, coisas mais democraticamente distribuídas do que ar e sofrimento. Como dizia Josué de Castro[6] em seu “Geografia da fome”: metade da humanidade não dorme por causa da fome; a outra metade não dorme de medo da outra metade faminta.

Para um punhado de pequenos burgueses está tudo bem por aqui. Não lhes falta nada que provoque ronco na barriga. Do ponto de vista existencial, a maioria se satisfaz em ficar na base da pirâmide de Maslow[7]. Suas tribos estão distribuídas em condomínios fechados e dispositivos de segurança. A satisfação é transitória quando o medo lhes tolhe o sono e, em espasmos de consciência, aponta para o perigo que os aguarda “do lado de fora”. Guardas, cercas elétricas, cães ferozes, vidros fumês blindados, e doses cada vez maiores de ansiolíticos sempre serão insuficientes. Fora os aborrecimentos provocados pelas constantes reuniões de condomínio - área onde a natureza humana se revela com toda força.

E os ricos? A maioria não está interessada nessas questiúnculas da classe média em sua luta para galgar um lugar nas páginas de socialites. Uma vez ou outra, fazem doações à base da pirâmide social para alegrá-la, sobretudo em datas comemorativas religiosas como Natal, por exemplo. Os pequenos burgueses sempre procuram imitar os ricos, normalmente com participação direta, vestindo-se ridiculamente de papais-noéis e distribuindo presentinhos às crianças sujas e remelentas da periferia, mas pouco ou nada fazendo, objetivamente, para diminuir a distância entre uns e outros[8].

Como dizia Jesus, mais ou menos assim: “sentam-se na cadeira de Moisés, mas não querem tocar nem com as pontas dos dedos o fardo carregado por aqueles que os procuram”[9].

Hipocrisia? Marketing pessoal? Justificação consciencial? Pode ser tudo isso junto e misturado. Há, também, espaço para uma certa descarga psíquica que enseja um prazer difuso em fazer caridade para os pobres[10] – é o momento em que o sujeito se sente importante e deixa de pensar na possibilidade de ser apenas um número no mercado existencial, profissional, social. A maior parte do tempo é a luta para alcançar postos na escala social: manter residência em condomínio de alto valor agregado - de preferência com nomes pomposos de expressão francesa (ridículo, mas chique); escolas trilíngues para os filhos; alta costura para companheiro ou companheira; personal trainers para todas as atividades possíveis e imagináveis; spas para os pets e por aí vai...

Na verdade é um inferno mesmo, porque não existe lugar no pódio para todos; o que significa que para cada empreendedor vitorioso, haverá uma multidão de vencidos. Estatística é uma desgraça porque contraria a lógica do coaching neoliberal da meritocracia.

Invariavelmente, depois daquele workshop[11] no hotel 5 estrelas regado a vinho bom e saborosos canapés, o entusiasmo do weekend[12] é aniquilado pela “segundona-braba” cheia de problemas reais e ameaças de downsizing[13] provocados pela inteligência artificial que reduz custos, aumenta a produtividade, não faz greves, não precisa de vale-transporte e com o bônus de absenteísmo[14] zero.

Mais ansiolíticos e mais pensamento mágico para dar conta do recado – o coitado de São Judas Tadeu[15] mantém a agenda cheia. Alguém sabiamente já disse: o século XXI será o século da Psiquiatria.

Você é muito pessimista! – diz alguém.

Acho que sou; por uma questão muito simples: o pessimismo crítico aproxima-se mais da realidade do que o otimismo bobo. Quer continuar no autoengano ou sendo enganado? Continue com o seu otimismo ingênuo e auto enganador.

A exemplo de um conhecido filósofo, sou tão pessimista que quando a coisa está ruim, cresce em mim a esperança de que pode piorar (risos).

Difícil? Quem disse que seria fácil?


[1] James Ephraim Lovelock foi um pesquisador independente e ambientalista. A hipótese de Gaia foi articulada por Lovelock com a colaboração de Lynn Margulis, para explicar o comportamento sistêmico do planeta Terra.

[2] O julgamento humano sempre terá um componente moral, mas isto não exclui a responsabilidade de a “civilização” ter construído um mundo bastante problemático. Ler Freud, Mal-estar na Civilização dá uma dimensão do que é viver numa sociedade “civilizada”.

[3] Amoral: moralmente neutro. Exemplo: o senso comum costuma classificar os Dragões-de komodo como cruéis porque matam e devoram crianças de aldeias vizinhas de seu habitat. Essa qualificação é dada por nós humanos. Para natureza, é apenas luta pela sobrevivência e reposição de energia que flui ao longo da cadeia alimentar das presas para os predadores. A natureza é atravessada por um niilismo moral.

[4] Exemplo: Precisa-se de 1000 plantinhas para alimentar 300 gafanhotos que por sua vez alimentam 30 galinhas.

[5] Por favor, entenda que quando uso o termo “homem”, estou me referindo à espécie humana e não a gênero.

[6] Josué Apolônio de Castro, mais conhecido como Josué de Castro, foi um médico, nutrólogo, professor, geógrafo, cientista social, político, escritor e ativista brasileiro do combate à fome.

[7] Ver o texto aqui publicado “Livre-Arbítrio (100% de 1%) – versão longa” sobre a Pirâmide de Maslow. Refiro-me, também, à expressão indiretamente atribuída ao pensador ítalo-brasileiro Pietro Ubaldi: subdiafragmatismo. O subdiafragmático seria o indivíduo que, estando com a barriga cheia e as funções sexuais satisfeitas, viverá ele no melhor dos mundos.

[8] O que cuido aqui é de um certo padrão comportamental em determinados grupos sociais (comportamento de manada). É imperioso dizer que há exceções, e essas exceções indicam que não é a posição social que induz a um determinado comportamento – tem gente escrota espalhada em todas as camadas sociais. Nesta altura de meu raciocínio, tenho medo de olhar no espelho (risos).

[9] Na cadeira de Moisés, estão assentados os escribas e fariseus. Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam. Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem sobre os ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los. Mateus 23:2-4.

[10] Num pequeno volume de ensaios – O Homem e a sua eternidade – Ubiratan Rosa escreve:

A função sociocultural das religiões

As religiões exercem apreciável função social e cultural, são redutos de previdência imediata pelas obras beneficentes (...). Com os seus grandes colégios, templos enormes, catedrais imensas, ricos museus, promovem as ciências e as artes (...). Cooperam efetivamente no aprimoramento do social, do político, do filosófico. (...)

Quanto ao espiritual, dão conforto, bálsamo, lenitivo; psicologicamente, atuam na periferia pela imposição corriqueira de normas de conduta, e obtêm resultados aleatórios quanto a ordem, disciplina, virtude, mas é só.

[11] Workshop: seminário ou curso intensivo, de curta duração, em que técnicas, habilidades, saberes, artes etc. são demonstrados e aplicados.

[12]Weekend em inglês significa “final de semana”. É chique utilizar termos em inglês. Parece empoderar o sujeito falante (risos). Talvez, ecos da colonização cultural a que fomos submetidos durante décadas.

[13]Downsizing: em tradução livre significa “diminuindo o tamanho”. Resumidamente é a prática que, associada à reengenharia, promove o corte de despesas e de pessoal dentro de uma empresa para que haja menos custo com mais eficiência e, consequentemente, mais lucro.

[14] Absenteísmo: atrasos, faltas ou não cumprimento de tarefas no trabalho.

[15] São Judas Tadeu é conhecido por ser o santo das causas impossíveis. 

Comentários

  1. À respeito da importância do nosso planeta e de seus habitantes vou valer-me da observação do Carl Sagan - cientista planetário e astrônomo - intitulada 'Pálido Ponto Azul':

    "Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada “superestrela”, cada “líder supremo”, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali – em um grão de pó suspenso num raio de sol.”

    Estamos todos aqui, desde as células às consciências. Segundo o filósofo Herculano Pires, uma vez atingido o nível consciencial aprendemos a sair do éctipo rumo ao arctipo.

    O primeiro está sobremodo focado em si mesmo, uma “espécie de casulo psíquico em que o indivíduo se fecha no processo de relação”.

    Já o arctipo indica o “eu” realizado na “forma individual da comunhão”, isto é, o “eu” que se lança no cosmos para partilhar a completude da vida, e não circunscrever mais a existência à órbita das suas imposições egoístas.

    Em outras palavras, mais altruístas, mais responsáveis nos tornamos pela qualidade moral planetária.

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  2. A tônica dos seus argumentos dão força à lúcida e primorosa reflexão que acabei de ler, digna do pensador que você é. Karnal não consegue atrair tanto minha atenção. Quero continuar bebendo nessa fonte. Abraço.

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