
Abril/2022
Eu já senti o hálito da morte por conta de duas experiências
com neoplasias. Goose-pimple bone como diria John Lennon.[1]
Espiritinhas dirão que não entendi nada sobre Doutrina
Espírita. Tá bom. Anotado. Arrisco dizer que esses mesmos, ao sentirem aquele
hálito, se borram de medo e pedem a Deus, Jesus, aos santos e demônios que os
livrem dessa experiência. Já vi e vejo esse filme, mas não os critico. Trata-se
de uma constatação. Não temos controle sobre o atavismo biológico de
sobrevivência no qual estamos todos submetidos há milhões de anos. Leia-se o
poeta Augusto dos Anjos[2]:
Morte,
ponto final da última cena,
Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocínio enorme te condena!
Aqueles que, ao sentirem o hálito da morte tentarem escapar por
fugas mentais, não terão a serenidade necessária para encarar este momento
inescapável.
Não se trata de fazer da vida um culto constante de
tanatologia[3],
mas o de sempre ter no horizonte a certeza da finitude, porque a morte não é
uma possibilidade; ela é um dado da vida.
Pensar sobre a morte exige uma dose de coragem. Dá nos
nervos; acrescenta mais angústia àquela angústia de fundo da existência humana.
Faz bater o coração contra as costelas.[4]
Muitos filósofos trataram desse tema. Um deles – Platão[5],
fala que filosofar é uma preparação para a morte; Outro, Montaigne[6],
numa chave diversa da do famoso filósofo grego, vai dizer que “filosofar é
aprender a morrer”.
Portanto, a vida é um exercício constante para a morte.
Diante dessa minha reflexão de boteco, percebo que tenho de
apreciar o que está à minha volta nesse instante de vida e de me conciliar
depressa com o meu adversário, enquanto estou no caminho com ele.[7]
A vida é só uma sombra: um mau ator
Que grita e se debate pelo palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria,
Sem querer dizer nada.[8]
[1]
Goose-pimple
bone expressa
sensação de frio nos ossos. Na música “Cold Turkey” John Lennon refere-se ao
que sente alguém em abstinência de heroína – droga ilícita. Aqui, utilizo a
expressão de calafrio causado pelo medo.
[2] Cismas do Destino. Eu
e outras poesias. Augusto dos Anjos.
[3] Tanatologia é o estudo
científico da morte.
[4] William Shakespeare.
Macbeth.
[5] Filósofo grego (428
a.C.- 348 a.C.)
[6] Michel de Montaigne
(1533-1592): filósofo, político, humanista francês.
[7] Evangelho de Mateus: capítulo 5, versículo 25.
[8] William Shakespeare.
Macbeth.
Pensar na morte biológica... espontaneamente é incomum.
ResponderExcluirLogo por força das circunstâncias, no preâmbulo de uma (in)direta 'visita letal', é que, comumente, o ser se vê 'obrigado' a refletir sobre a vulnerabilidade da existência.
Como você nos brinda com referências 'culturais', vou retribuir com algumaa sugestões de leitura: "A história do coveiro filósofo" (é só digitar no Google que aparece o artigo no site da revista Piauí) e os dois livros da médica Ana Cláudia Quintana Arantes - "A morte é um dia que vale a pena viver" e "Histórias lindas de morrer". Recomendo ler nessa sequência, se possível.
(Tenho ambos os livros em pdf, caso queira, posso compartilhar).
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Almir Sater