Ora, se até aqui tenho sido infeliz com o conhecido,
diz-me a razão que desta infelicidade só me poderei libertar pelo desconhecido.
Mas este, o desconhecido, não pode ser um objetivo, uma meta por atingir, uma
motivação, porque motivações, objetivos, metas, só se podem estabelecer em
relação ao conhecido.
O desconhecido é o novo, que se patenteia quando o
conhecido desaparece.
Mas não se deve tomar à letra esse
"desaparece", que aqui fica como força de expressão. O
"conhecido" são os conceitos que aceitei e elaborei, ou reelaborei,
pelos quais norteio minha vida. Integram minha cultura, minha memória, são pensamentos.
Não podem, então, "desaparecer", porque o pensamento é indelével (que
não se pode delir; que não se dissipa; indestrutível; inapagável).
Não só o "pensamento discursivo" (que
inclui o raciocínio, a dedução, a demonstração), mas também o pensamento-emoção
(que inclui o que se sente). Tudo o que se pensa, tudo o que se ouve, tudo o
que se sente se guarda indelevelmente nos escaninhos cerebrais, e é
precisamente por isso que ocorre o chamado "condicionamento
psicológico".
Se o cérebro não retivesse as informações que
recebe, as palavras conceituais de papai, de mamãe, de vovô, do mestre, do
padre, do soldado, cairiam no vazio, "entrariam por um ouvido e sairiam
pelo outro", o condicionamento não se efetuaria. Justamente pela sua
acentuada capacidade de retenção, o cérebro nele grava o que lhe dão, e até o
que apenas lhe sugerem pelas vias subliminares, e em seguida reelabora e mais
fortalece as gravações, que são os dados do condicionamento.
Se os dados do condicionamento são assim indeléveis,
é claro que não desaparecem quando conhecidos, esmiuçados, sopesados e até
ridicularizados no processo de autoconhecimento. Então não desaparecem em
sentido próprio, mas em sentido figurado, quando se desativam, quando deixam de
influenciar.
Isto é o que realmente ocorre: eles deixam de
influenciar, perdem a força condicionante, ainda que fiquem lá nos seus
lugares, até muito bem ordenados nos compartimentos cerebrais.
A renovação, ou melhor, a novação ou inovação
intransitiva cifra-se nessa libertação das influências condicionantes; e essa
liberdade é o desconhecido, que não decorre de nenhuma busca - é, simplesmente,
a desativação do conhecido.
A vida que inventamos - Livres dessa influência
condicionante, "vivemos com", mas não "vivemos por". Viver
com, ou conviver, é estar com tudo e todos, naturalmente - a pátria, a família,
as crenças generalizadas, as superstições, os temores, os anseios e frustrações
do homem, inteiramente cônscios de sua real natureza, livres dos conceitos que
outros lhes atribuíram, ou nós mesmos lhes atribuímos (na composição de mim mesmo, do meu ego,
ou Eu, identifico-me, pelo pensamento, com as inumeráveis conceituações
habituais, e consensuais, porque aceitas e valorizadas pela sociedade de que
faço parte).
Nessa liberdade conceitual eu vivo, por exemplo,
"com a pátria", mas já não vivo "pela pátria".
Sociologicamente, não se pode negar a pátria, o país onde se nasce, distinto
dos demais países por suas características étnicas e culturais, a índole do seu
povo, seu idioma, seus usos e costumes, seus recursos naturais, industriais e
comerciais, seu clima, sua flora e fauna, sua história. Viver no país em que se
nasce, e viver com ele, é natural e desejável. E mais naturalmente com ele
vivemos quando bem o conhecemos. A pátria não faz mal a ninguém; o que faz mal
é o conceito de Pátria, com o qual nos identificamos e pelo qual matamos e
morremos. Viver na pátria, com a pátria, criativamente, é bom; viver pela
Pátria, destrutivamente, é mau.
É destrutivo o conceito de Pátria, porque fragmenta
o patriota. Identificado com esse conceito, ele separa-se dos patriotas das
nações alheias, e inclusive de seus compatriotas que acaso discordem de seu
culto nacionalista. Morbidamente xenófobo (aquele que tem aversão a pessoas e
coisas estrangeiras) pela hipertrofia de seu nacionalismo, inclui na sua
xenofobia os conterrâneos dele dissidentes.
Não posso acrescentar, retirar, omitir ou emitir opinião. Só me resta admirar sua profundeza. E aprender.
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