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PERMITA-SE SER ODIADO


03/04/2019

Muita gente acha que o ódio deve ser eliminado de nossas vidas. É um erro. Primeiro, porque não dá para “tirar” de nós algo que faz parte de nossa essência e substância – ele brota da mesma fonte de onde surge o Amor e demais afetos alegres; segundo, o ódio é um afeto muito potente e pertence à lista de afetos tristes.

O ódio é essência e substância de nossa vida. Negar o ódio é querer ser mais que humano. Sem ele, por exemplo, não teríamos noção nenhuma do amor. Viver só de amor seria entediante ao extremo, pelo menos no estágio em que nos encontramos.

Aos defensores do politicamente correto quero dizer que não estou fazendo apologia do ódio. Não. Estou apenas dizendo que para um ser humano “normal” o ódio faz parte do cardápio. É óbvio que odiar faz mal. Não é disso que estou tratando aqui.

Quando somos odiados ficamos bastante incomodados; na verdade esse “incômodo” é fraqueza, porque quem é odiado, na verdade, é muito importante para o odiento, caso contrário não odiaria: quando não somos importantes para alguém ou para um grupo não somos capazes de provocar afeto algum – nem ódio, nem nada, porque somos irrelevantes, opacos, invisíveis e isso configura-se na ausência de afeto – expressão da indiferença.

Aquele que se preocupa em não ser odiado vive um inferno, porque se deixa explorar pelos interesseiros, uma vez que sua autoestima está descartada de vez. Vive uma vida sem cores ou uma vida cinza, uma vida humilhante e indigna. Uma vida assim é infernal.

A carência afetiva, a miséria moral toma conta dessa criatura que se preocupa em não ser odiada, que passa a viver de migalhas afetivas traduzidas em simulacros de amizade, de consideração. Há outros que na verdade demonstram esses afetos por interesse, por pena. E é aí que reside a miséria moral: sentir pena de si mesmo e fazer tudo o que o outro quer sem nenhuma exigência, porque busca ser amado por qualquer preço.
Quem vive na miséria afetiva torna-se hipersensível – qualquer coisinha diferente de sua expectativa será como um terremoto de sensações ruins. Essa sensação de desastre acaba afetando, de forma negativa aqueles que estão nas proximidades. Cria-se um círculo vicioso difícil de escapar, porque “desastres emocionais” acontecem o tempo todo independentemente de os provocarmos ou não.

Não é sair por aí provocando ódio nas pessoas para se sentir vivo e importante – tem gente que, inconscientemente, vive disso; essa maneira de buscar notoriedade aprofunda a solidão, é irritante e tem consequências muito desagradáveis, além de fugirem do controle.

Fazer o que deve ser feito com ética e autorrespeito, porém sem se importar com o que os outros possam pensar agrega um grande valor à vida que valerá à pena viver. E por que valerá a pena? Porque, naturalmente, ao se depararem com alguém com grande capacidade de lidar com seus sentimentos, os interesseiros, medíocres e invejosos se afastarão e haverá aproximação daqueles que buscam uma agenda virtuosa.

Por essa razão, desconfio de pessoas que “todo mundo gosta”.

Para isso basta interessar-se pela vida: estudando, trabalhando, pensando com coragem e determinação diante do quadro de carências que todo ser humano carrega.

Jesus dissera aos seus discípulos: buscai o Reino de Deus e todas essas coisas vos serão acrescentadas. O caminho para o encontro com esse Reino passa, obrigatoriamente, pelo amar a si mesmo. Ele mesmo – Jesus – não se preocupou em ser odiado. E você?

Difícil? Em quem disse que seria fácil?

Comentários

  1. Humberto, o seu texto não enseja reparos. Trata-se de um ensinamento. Uma única ressalva a acrescentar: vejo o ódio algo inerente à natureza humana, mas não à sua essência. Se estiver errado, me corrija. Abraço afetuoso.

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